15.4.10

Manoel Lopes e o Sol Engarrafado


Nascido e criado na Fontela e depois na Figueira da Foz, a juventude da Manoel Lopes não foi das mais difíceis, ainda que desde muito cedo se iniciasse no trabalho ajudando os seus pais. Com mais quatro irmãos e uma irmã, valeu a voluntariedade de seu pai, Luis Maria Lopes, que idolatrava e, acima de tudo, evocava por tudo e a todos. Ele que foi uma das personalidades que assumiu e promoveu, em 1910, a implantação da República na Figueira da Foz, vindo o seu nome citado em jornais da época e em pelo menos um livro (almanaque) dedicado, precisamente, aos activistas republicanos.
Comerciante versátil em vários ramos, faleceu em 1949, deixando aos seus seis filhos diversos negócios para que pudessem singrar na vida. A Manoel Lopes “calhou” um armazém de sal (usuais na altura), especiarias e bebidas, situado na rua Dr. Duarte Silva (perto da estação da C.P.) que, após algumas uniões e sociedades, ficou definitiva e unicamente a pertencer-lhe.
Ora, naquele tempo, locais como este não eram fáceis de encontrar. E ocorreu a Manoel Lopes, no ano de 1950, mandar imprimir uns cartões, publicitando o armazém, para distribuir pelos veraneantes no Bairro Novo e na praia. Um tal francês George Ferrer, que se tornou seu amigo de Verão, foi quem distribuiu vastamente os cartões, o que ía provocando a curiosidade dos inúmeros turistas, nacionais mas especialmente estrangeiros, e cujas consequentes e inúmeras visitas não se fizeram esperar. O negócio prosperava.E tornando-se amigos de Manoel Lopes, o que era fácil, no ano a seguir lá estavam de novo, trazendo uma ou outra recordação; e ano após ano e recordação após recordação, o armazém, para além do negócio corrente, foi - imperceptivelmente ao princípio, deliberadamente depois - transformando-se num autentico armazém/museu, para gosto dos figueirenses e deleite dos estrangeiros.Claro que a imaginação também ía crescendo: um dia Manoel Lopes mandou abrir uma porta num largo tonel, iluminou-o interiormente e colocou-lhe uma pequenas prateleiras, ali começando por expôr todos os pequenos “regalos”, “cadeaus”, “gifts”, “prendas”... e quando abria o tonel para o mostrar a um visitante, fazia primeiro badalar um sino instalado no seu interior, só depois acendia a luz e, invariavelmente exclamava para as pessoas: “-...e sabem como é que eu consegui grande parte de tudo isto!? Devido ao tabaco! É que, como eu não fumo, com o dinheiro que eu gastaria a fumar fui comprando muitas destas coisas!”É preciso não esquecer aqui de sublinhar a grande aversão que ele tinha ao tabaco, passando grandes e incisivas “secas” a quem o visitava. Se o interlocutor era fumador, pedia-lhe educadamente que fumasse lá fora o cigarro, que ele esperava! Depois, e já lá dentro, percorrendo o espaço, ía dissertando sobre os malefícios do fumo na saúde, no sabor que retirava aos alimentos, no mau hálito que provocava, incentivando-o a deixar de fumar “pela sua saúde e pela saúde dos outros!”... e eram uns deliciosos momentos que hoje aqui se recordam e evocam.Foi também no início da década de 50 do século passado que, após ouvir os diversos estrangeiros dizer que o que a Figueira tinha de melhor era o Sol, esse inesquecível Sol da Figueira, que ocorreu a Manuel Lopes personalizar uma bebida da qual ele era muito apreciador e que era oriunda de Almeirim. Assim, mandou tratar a bebida à sua medida, procedeu ao seu engarrafamento no armazém e pôs-lhe o nome de “Sol Engarrafado”!
Sucesso imediato. Oferecia sempre um cálice a todos que o visitavam, nem que lá fossem três ou quatro vezes por dia. E ano após ano lá ía duplicando e triplicando o engarrafamento, acompanhando a “velocidade” com que a bebida se ía tornando cada vez mais conhecida! E afamada! As pessoas chegavam à Figueira e perguntavam desde logo onde podiam encontrar o Sol Engarrafado! E como toda a gente o sabia, era fácil o encontro!
Note-se a “aliança”: a simpatia do Manoel Lopes, a solicitude do excelente empregado e amigo Júlio Marques (que com ele ali trabalhou de 1940 a 1986 = 46 anos!!), o Sol Engarrado e o armazém/museu... um conjunto imbatível!E por todo aquele espaço não haviam só os milhares de brindes trazidos de vários pontos de Portugal e do estrangeiro!
Viam-se peças de marfim, peças de louça das melhores marcas, colecções de relógios, de candeeiros antigos, de bóias de mar, de cristos cruxificados, ferros de engomar em ferro, e centenas (seriam milhares!?...) de largos posters publicitando as iniciativas da época por toda a Europa mas, sobretudo, de Amália Rodrigues da qual era um indefectível admirador.
Destaque para as dezenas de obras de vários artistas de todo o Mundo, mas sobretudo do grande artista plástico figueirense Zé Penicheiro, grande amigo de Manoel Lopes e de sua esposa Virginia Bertão, desde gravuras, pinturas e trabalhos de madeira pintados!
Faleceu em 1989. Mas Manoel Lopes e o seu Sol Engarrafado marcaram uma época da história da Figueira da Foz!

António Flórido / Jornal Online O PALHETAS NA FOZ / Figueira da Foz / Portugal / Europa (Maio de 2010)