na anterior versão do Jornal Online
"O Palhetas na Foz"
A “TASQUINHA” DO DR. ARNALDO
Encontrámos uma vez mais a figura nunca esquecida de Arnaldo Saltão, bem desenvolto nos seus 89 anos (1918) a chegar de carro ao quiosque e a comprar o seu jornal diário!-“Mas quem será este tipo!?”- pode perguntar o pessoal mais novo. Pois é, não conheceram aquele que, durante mais de 30 anos, foi conhecido como o dr. Arnaldo (proprietário da Casa Arnaldo, a tasquinha mais conhecida de todos os tempos na Figueira da Foz) o que é óbvio porque na altura ainda não eram nascidos e, além disso, estão hoje em dia mais vocacionados para as discotecas, “pub’s” e afins. A propósito, aqui recordamos o que, sobre estas preferências, escreveu em 1995 o nosso amigo comum A.M. Fonseca:
(…) ainda mais agora que a rapaziada se acotovela na penumbra das discotecas cujo ruído jamais deixará alimentar ou cimentar uma amizade, e se afoga em bebidas esquisitas que nada têm a ver com aquele verde à pressão, com o palhete do Carvalhal então servidos na tasca do ti Arnaldo, saborosos acompanhantes de uma pataniscada de bacalhau ou de um naco de queijo da serra, imprescindíveis e bons alimentadores de animadas e subidas dissertações (que, por vezes, um copito a mais dava a fluência tão necessária à eloquência).
Mas vamos explicar, a partir de excertos de um texto escrito em 1988 pelo autor desta página na Internet, o que era a tasca do dr. Arnaldo no Bairro Novo da Figueira da Foz (que encerrou definitivamente naquele ano, já lá vão 19 anos de estimada saudade!).
A casa “Arnaldo”, aquela tasquinha, taberna, casa de pasto, situada ali em pleno Bairro Novo ao lado da Pastelaria Império, em frente à Pensão Central, à barbearia Godinho, ao bar “A Ginginha”, já desapareceu…
(…/…)
O Arnaldo (ou o “dr.”Arnaldo como os bons amigos o tratam) tomou conta da casa tinha então 27 anos. Estava-se no ano de 1943, e o trespasse ficou-lhe em 7.500$. Antes desta data esteve na posse de um tal José Duarte (25 anos), de Mário Bispo (1 ou 2 anos) e de Emídio Ferreira (também 1 ou 2 anos)…
(…/…)
Na casa Arnaldo entraram, ano após ano, pessoas de todos os níveis sociais ,desde os mais modestos aos mais “altos”,desde os“faxinas” das docas a governadores civis, desde camponeses a juízes, desde alguns esfomeados peregrinos a altas entidades do Estado de então, onde até uma ou outra história da PIDE nos foi recordada. Médicos, advogados , senhoras, crianças… tudo ali entrava, comia e falava, o respeito sentia-se, a educação imperava.
Era a casa do “dr.” Arnaldo...
(…/…)
…a casa dos grandes boémios, dos espanhóis do Verão, da petiscada daquele grupo de amigos comemorando isto ou aquilo…
(…/…)
Era (foi) a pequena tasca dos grandes acontecimentos, das fortes amizades, de inesquecíveis momentos bem acompanhados de um bom “tinto” do barril, do “branco” do lavrador , dos pasteizinhos de bacalhau bem quentinhos (N.A.: -Cozinhados a preceito pela sua saudosa esposa D. Maria de Jesus), das pataniscas, dos “pipis”, dos panados, do “escabeche”…
Onde é que há disto nos dias que correm!? Agora só se for um hambúrguer. Ou uma pizza…
E terminamos esta evocação com uns versos que o saudoso e impagável Fausto Caniceiro da Costa dedicou, em 17 de Dezembro de 1988, ao Arnaldo Saltão, aquando de um almoço de convívio organizado por uma comissão encabeçada por António Fiel da Silva, António Neves e António Valdemar Fernandes e que contou com largas dezenas de amigos no restaurante “Challet das Canas”:
Nos belos tempos de outrora
Lá se curavam maleitas:
Havia no Bairro Novo
Com amizade e calor
Um “consultório” afamado
E muitas vezes lá fui
Onde ía muito o povo.
P’ra dar de beber à dor.
Corriam todos ao “médico”
E conforme era a doença
Idos de diversos lados
O remédio variava
Íamos p’ra lá doentes
P’rá cura de qualquer mal
Saíamos de lá curados!
Muito pouco se pagava!
Uns bolos de bacalhau
Esses “remédios” sagrados
Dobrada, copos ou iscas
Eram os melhores da Figueira
Belos pratos variados
Preparados a primor
Uns bifes ou pataniscas.
Por uma boa cozinheira.
O “médico chefe” da equipa
Por aquilo que lhe devem
Onde se tomava o “caldo”
Muitos dos seus “doentinhos”
Era, como todos sabem,
Hoje aqui estão p’ra comer
O velho “doutor Arnaldo”.
E beberem uns copinhos!
Mas tomem muito cuidado
Depois surge o acidente
Bebam com moderação
Logo a seguir ao rescaldo
Pois podem ainda ter
E já não têm prós curar
De soprar no balão.
O nosso doutor Arnaldo!
Lá se curavam maleitas:
Havia no Bairro Novo
Com amizade e calor
Um “consultório” afamado
E muitas vezes lá fui
Onde ía muito o povo.
P’ra dar de beber à dor.
Corriam todos ao “médico”
E conforme era a doença
Idos de diversos lados
O remédio variava
Íamos p’ra lá doentes
P’rá cura de qualquer mal
Saíamos de lá curados!
Muito pouco se pagava!
Uns bolos de bacalhau
Esses “remédios” sagrados
Dobrada, copos ou iscas
Eram os melhores da Figueira
Belos pratos variados
Preparados a primor
Uns bifes ou pataniscas.
Por uma boa cozinheira.
O “médico chefe” da equipa
Por aquilo que lhe devem
Onde se tomava o “caldo”
Muitos dos seus “doentinhos”
Era, como todos sabem,
Hoje aqui estão p’ra comer
O velho “doutor Arnaldo”.
E beberem uns copinhos!
Mas tomem muito cuidado
Depois surge o acidente
Bebam com moderação
Logo a seguir ao rescaldo
Pois podem ainda ter
E já não têm prós curar
De soprar no balão.
O nosso doutor Arnaldo!
António Flórido / Figueira da Foz – Abril/007