19.1.14

Os textos do Zé (José Manuel Oliveira / Cova da Piedade)

O autoclismo, essa geringonça das nossas vidas! 
Sou pouco dado a aparelhos e geringonças. No entanto, nas nossas vidas modernas, somos muitas vezes “obrigados” a utilizar certos e determinados objectos caseiros e não só, de tal forma que já o fazemos quase automáticamente sem nos darmos conta sequer da sua presença ou valor, de tão óbvios que são. 
Sei lá, poderei dar apenas como exemplos, um autoclismo, um telefone, uma faca de cozinha, um esquentador, uma torneira ou um botão qualquer de arranque seja lá da luz (comutador), um trinco, etc…
Todavia, existem igualmente outros um pouco mais sofisticados, os quais sem serem de modo algum um luxo, partimos do princípio que servem para nos facilitar a vida e determinadas tarefas: um pequeno aspirador portátil, um despertador eléctrico, um pequeno robô programado para desatar a limpar o chão a certas horas, uma impressora, visores de escada ou lâmpadas inteligentes e um sem fim de outras tantas coisas. 
Sempre parti de um princípio de que se temos esses objectos connosco, é porque deverão servir para alguma coisa, caso contrário, ou apenas existem para ocupar espaço, ou então para decorar a casa, o que não me parece lá muito sensato. Então, acontece que fico consideravelmente irritado, quando ao pegar nalgum destes objectos, numa situação ou de urgência, ou mesmo de relativa necessidade, eles se recusam pura e simplesmente a desempenhar a função para a qual foram criados, e, desse modo, aflora-me imensas vezes á cabeça o impulso talvez primário e selvagem de pegar no dito objecto e o arremessar pela janela fora quase sem pensar nas consequências óbvias para quem for a passar nesse momento por baixo, naturalmente que não o faço, embora vontade não me falte (aprendi a controlar os meus impulsos quando há alguns anos frequentei as chamadas artes marciais). Assim como também em relação à minha viatura, um automóvel consideravelmente moderno, quando por qualquer motivo fica embasbacado, a primeira reacção que me assola, é a de abrir a porta seja lá em que local estiver, colocar-me na posição de «gedam barai» ( ? ) pronto para desferir um golpe de karaté apreciável, embora não mortal neste caso, visto o carro ser meu, mas acertar-lhe com um pontapé de algum valor calórico na ilharga do pára-choques, ou mesmo na porta aberta do meu lado.
Sempre achei que alguns objectos manhosos gostam de se rir de nós, embora isto pareça infantil, mas é raro enganar-me. Sou um indivíduo incapaz de molestar um arbusto ou um animal, mas quando um objecto artificial se põe a gozar comigo, palavra que fico mesmo irritado. Já cheguei a bater em mesas desdobráveis, alicates rebarbativos ou mesmo em macacos de mudar rodas quando se recusam a trabalhar, puxar o rabo às televisões, bater furiosamente nas colunas de som quando começam a falhar, ou arremessar cassetes audio das antigas contra as paredes do quarto, a ver se a fita desengata, mas o que querem? Isto irrita. 
Podem crer que embora me considere um hilozoista convicto, não sou de modo algum animista, tudo isto não passa afinal de uma embirração momentânea. E quando uma rolha se parte? ( malditas rolhas falsificadas ) Isso é verdadeiramente dramático… acreditem!
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À Minha Porta 
Todos cumprem escrupulosamente a sua missão : o bêbado passa e clama em voz alta : “ Héii …“! A empregadinha da clínica, com a sua bata de trabalho, puxa uma fumaça com o braço livre do telemóvel . A senhora dama, empertigando-se em seu passo cadenciado e de cabeça encostada a um outro telemóvel, vai debitando mais um episódio da sua novela diária a alguém que provavelmente acaba de dobrar a esquina mais próxima. Um sujeito de boné, cospe ostensivamente para o chão, emitindo um som verdadeiramente gutural fazendo estremecer os que lhe estão mais próximos . Uma senhora detem-se a observar atentamente a loja de artigos baratos do chinês , enquanto um mancebo de aspecto macilento e de barba mal amanhada procura a todo o custo impingir o “Borda D` Água” a toda a gente. Sentada no chão, pernas cruzadas, junto de uma das caixas multibanco uma criatura andrajosa, vai estendendo um copo plástico à caridade de cada um , enquanto se vão entretanto aproximando dois vultos circunspectos, bem tratados, um deles trajando sobretudo cinzento e uma pasta de côr escura, enquanto o outro, de fato completo, transporta conspicuamente em suas mãos uma revista e uma edição de um livro religioso . Uma senhora idosa passa com um Lulu pela trela, estacando este último, súbitamente, junto a uma coluna de pedra, das muitas que formam o peristilo do edifídio, e levanta de imediato a perna. Ao longe, lá bem ao fundo, vai tomando forma um grupo que se assemelha a uma equipe de futebol, todos de vermelho, a qual se encontra ao que parece, a distribuír jornais, cruzando-se, tudo leva a crer com uma brigada de calendários ambulantes que circula em sentido contrário. O meu corpo corta ao meio uma fila de utilizadores de multibanco, simula uma finta à senhora do telemóvel, evita astuciosamente um vendedor de casacos de lã e cintos, os quais jazem espalhados pelo chão, procura fugir ao “Borda d`Água” que não desiste, evitando por um triz chocar de frente com os dois religiosos, os quais era suposto irem principiar um discurso sobre o estado da Nação, salto por cima da trela do Lulu para não encarar de frente com um grupo de “cravas” que entretanto tinha surgido a vender rifas, consigo adiantar-me ao homem que escarra , e, para ajudar a tudo isto, tem início no parque de estacionamento um autêntico concerto de buzinas devido a uma rapariga azelha que nunca mais conseguia estacionar a viatura. Após tudo isso, lá consigo entrar pela porta da escada, são e salvo. E é assim a vida à minha porta. 
À noite, agora empoleirado na varanda e quando tudo se afigura mais calmo, penso como a vida é precária. Ao fundo da minha rua começa uma avenida. Chama-se «Avenida Aliança Povo-MFA». A Aliança (uma fábrica de farinha e bolachas cujos vestígios são uns silos abandonados), já não existe. O Povo, é uma entidade abstracta, e o MFA há muito que desapareceu. Que resta então? Automóveis, autocarros, motociclos…
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À Normalidade……arch ! 
Esforcei-me denodadamente durante alguns meses por ser uma pessoa “normal”. Comecei por comprar o jornal quase diariamente, procurando regular-me pelos chamados padrões de realidade socialmente aprovados, indo até ao café mais simpático, fumar um cigarrinho e, pasmem-se, eu que até não atribuía qualquer espécie de importância ao futebol, dei comigo a vociferar, dicaz e lesto de palavra, veementemente indignado em relação ao penalti tal que não foi assinalado, mais ao fora de jogo escandaloso, mais isto e mais aquilo….Comecei também por procurar ter opinião acerca dos toiros de barrancos, dos submarinos, da clonagem, da sida, do racismo, do desemprego, da toxicodependência e da toxicoindependência, da pedofilia e seus presumíveis protagonistas, do direito a ser “gay” e do direito a não sê-lo, da criminalidade, da pena de morte e da pena de vida, dos derrames de crude, da crise no Benfica ou no Sporting, das antigas Côrtes nos tempos da monarquia, e dos presentes Córtes da presente democracia, da vida sub-humana e da vida suburbana, e mais de tudo aquilo que nos querem impor numa “Europa” moderna, e, é claro, como não podia deixar de ser, da “política” e de todos os fabricantes de alegações a que se dá o nome de políticos, mais todo o rol de distracções que nos conduziram até à presente fantochada. Garanto-vos que me comportei durante este largo período de tempo como uma pessoa “normal”, procurando sempre compreender as conjunturas, as situações e, enfim, as atitudes correspondentes, com toda a condescendência e paciência do mundo, como decerto muitos de vós igualmente dirão….podendo assegurar-vos não ser necessário uma grande dose de subtileza, para se obter a desmontagem desta espécie de charada, e acreditem ou não, apenas ganhei com esta experiência uma coisa: Pigarro . É que a opinião, é apenas mais uma opinião a juntar a tantas outras, isto é, aquilo a que os filósofos gregos antigos chamavam de “Doxa”. De facto, a opinião é como que um antídoto contra o tédio, é qualquer coisa que temos de dizer ou exprimir, para posteriormente ser somado num qualquer gráfico estatístico televisivo ou não, o qual irá reforçar ou frustrar o nosso ego. Mas, e então a verdade o que será? Boa pergunta heim ?!.... Aí já toca mais fundo nos meandros do nosso grande confronto connosco próprios ou com Deus, se assim o quiserem. E é claro que não se sabe ao certo o que é, visto não haver verdades definitivas ou absolutas, segundo se consta…..Aletheia, era este o termo que se usava na antiga Grécia aos tempos dos primeiros pensadores. 
Assim, há muito que resolvi aderir à escola do silêncio trovejante, deixei de ter opinião e resolvi apenas, respirar ...
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Os Dias Cinzentos
É verdade que pode sempre surgir uma clareira, mas nestes tempos e marés, o que poderá isso significar? Uma abertura no céu pode ser vista e interpretada até como um abismo, isto é, um poço ao contrário……Observa-se usualmente um poço, no sentido descendente, é quase certo, nem se repara bem no que ele poderá reflectir ; porém, porque não no sentido ascendente? Já repararam nisso , ou apenas vêem televisão, massacram teclados e fazem deslizar os vossos dedos como varinhas mágicas sobre superfícies espelhadas, à espera de ícones que vos conduzam? Se assim for, acautelem-se pois isso é muito escasso e demasiado lento, estão a perder qualidades. É que por acaso, existem mais coisas mesmo no raio do mais obscuro e chato dia cinzento do que possam imaginar. Até bichos plantas e pedras que se retraem ao nosso olhar, só para não nos terem de encarar de frente, olhos nos olhos, como de resto alguns humanos, diga-se em abono da verdade, agora que até parece temerem-se uns aos outros…..
No fundo o que eu quero dizer com tudo isto, é que os dias cinzentos e deprimentes, embora possam provocar distúrbios na espinal medula de muito boa gente, são igualmente úteis e até benéficos para a saúde, pois concebem contrastes, há que tirar partido disso, visto que também tudo isto nos remete para a pintura, de múltiplas claridades, nuances matizes e cambiantes – note-se que a palavra cambiantes, numa certa Europa culta e esclarecida, tinha algum significado, perdendo-se agora a favor da palavra cambista, o que é bastante eloquente - e para milhares de sensibilidades que por aí vigoram graças ao Divino ou a qualquer outra coisa que mais vos aprouver, (não vão para aí inventar alguns “poetas” que eu sou de direita por me atrever a falar em Divino…..).É que quem apenas consegue enxergar a preto e branco, ou naquele espírito redutor e idiota de “prós ou contra”, está tramado, não só ignora o contraste, mas também ignora a perspectiva, e outras técnicas de pintura que poderão ensinar muita coisa, agora nestes dias cinzentões ou outros
O Sol, esse encontra-se sempre lá, e isto é tanto um cálculo astronómico preciso e exacto – que o digam os tripulantes da estação espacial internacional, presen temente em órbita- assim como também um brilho subjectivo do nosso eu interior e sem cálculo, aquela visão emergente que já os antigos sábios egípcios conheciam pelo nome de “ Olho da alma”- Hum…., será isto mais uma manifestação de direita? Bem, sejamos menos calculistas e mais optimistas. É que ISTO PASSA.
Termino com uma história que ouvi, já não me recordo bem onde : Conta-se que outrora, enquanto realizava um passeio através do campo, acompanhado pelos seus discípulos, Jesus Cristo e estes, depararam com um cão, em adiantado estado de putrefacção. Perante o esgar de repulsa e horror dos outros, Jesus ter-se-ia voltado para eles exclamando :  «Já repararam bem no brilho maravilhoso dos seus olhos »?
É esta a definição de optimismo que eu subscrevo  “ Here comes de Sun – it ´s all right “
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Do risível ao mais sério 
De passagem pelo Porto e através de uma curta brecha matinal, entre uma borrasca teimosa e miudinha, eis que uns raiozitos de sol me proporcionam uma olhadela furtiva aos títulos dos jornais ao sabor de um pequeno percurso urbano absolutamente aleatório e descontraído. Foi com uma certa curiosidade que captei o seguinte panorama: Temos então negócios milionários, greves que são “não - acontecimentos”, orgias de luxo, transações oportunistas / chantagistas de jogadores de futebol, meninos que mordem, mães que batem em professoras, raptos atrás de raptos numa ex-colónia, e até filhos que esfaqueiam as mães até à morte ou ainda uma enorme gritaria em redor de Cristiano Ronaldo (será este o verdadeiro Messias desta pátria?), eis o panorama certo no país certo. “-Pronto! Pensei, ainda se ao menos deixasse de chover…” 
Antigamente os fenómenos, pelo menos aqui em Portugal, eram de imediato conotados com uma certa localidade relacionada com o mundo dos comboios, ou seja, o Entroncamento. Ou era o aparecimento de uma batata rôxa com pernas, uma melancia pesando quase uma tonelada, um tomate gigantesco ou, enfim, um passarinho de quatro patas ou um cão de três, um burro instruído de olhos verdes, ou mesmo um gato sem orelhas. Entretanto, com o decorrer dos tempos, os fenómenos mudaram-se para a televisão, e mais tarde para a Net, não se passando quase um único dia em que não assistamos a algum prodígio, qual deles o mais fantástico: Desde a dose diária e habitual de engenharia financeira dotada da maior sordidez argentária que somos obrigados a engolir, de um ápice se passa para a Serra da Estrela que tem neve!!!... fenómeno extraordinário jamais visto, pelo menos para os parolos mais incautos e para os turistas do escorrega que por lá vão deambulando... Também se poderá passar rapidamente para a praia, onde alguns tipos/as vão molhando os pés e respondendo às inteligentíssimas e complexas perguntas de circunstância formalizadas pelos/as repórteres: - “Está fria ou quente?” ou “Já se dá um mergulhinho!?” – Então, milagrosamente, eis que surgem velhinhas (octogenárias ) vencendo concursos de salsa, zumba lambada ou chá-chá-chá, passando-se de imediato para um evento onde freiras ridentes de ar saloio e provinciano, debitam vozes que nada ficam a dever a Aretha Franklin ou Janis Joplin sem soluços nem rebuços, tudo isto perante o ar boquiaberto de um júri estupefacto… 
De caminho poderá ainda assistir-se a um qualquer deputado de extrema-direita de uma república qualquer, a chamar lésbica a uma repórter de serviço, ou à obscenidade de bota hitleriana e mama ao léu, desfilando contra um “fascismo” que por aí anda despudoradamente com reivindicações… a armar ao pingarelho! E até juro a pés juntos ter visto o Marquês de Pombal vestido com uma camisola do meu clube do coração, (vermelha) sob a ajuda solícita de uma grua… vá-se lá saber paga por quem, e sob o olhar impávido e sereno da polícia. Enfim, tudo isto é fado, e afinal o que seria de nós sem semelhantes prodígios? Decerto que morreríamos de tédio. Um porco a andar de bicicleta? Sim, ainda havemos de ver, pois à trela, sendo tão “chique”, já se vão vendo alguns. Já repararam porventura naquela profunda e exímia sapiência daqueles juristas que afirmam a pés juntos que entre um menino de 14 ou 15 anos chanfrado, por motivos obscuros e misteriosos, e uma senhora professora que resolve desempenhar a função para a qual é chamada, é esta última que terá urgentemente de recorrer aos serviços de psiquiatria quando tem a triste ideia de admoestar a criancinha? Pois que decerto ela (a professora) não se encontra em seu pleno juízo… Então e o polícia de serviço que por raio de uma ideia estapafúrdia decidiu cumprir aquela missão para a qual fora chamado e, vejam bem, teve o “azar” de acertar com um tiro num meliante, coitadinho, que apenas andava a servir de escudo humano ao pai, que por sua vez andava a “colecionar” um vil metal qualquer? Então digam lá se isto não é verdadeiramente fenomenal? Fenómenos desta natureza, é bem certo não serem exclusivos de Portugal, o que na realidade torna a piada ainda mais preocupante… 
No que diz respeito a “saídas”, e mudando agora ligeiramente o rumo a toda esta mais que cómica e hilariante fenomenologia, irá ser em breve declarado o tipo de “saída” escolhida pelos nossos governantes: Antes que tal aconteça e apenas a título de mera curiosidade pedagógica, penso que, contrapondo a saídas limpas ou saídas menos limpas de reforço ou programa cautelar, como dirão os especialistas – isto no plano económico-financeiro, evidentemente, pois é apenas sobre isso que se fala – em Portugal desde sempre existiram dois tipos de saídas que, essas sim, são as que verdadeiramente importam: uma delas trata-se de uma saída horizontal, a qual se processou e realizou através de séculos de navegações e tribulações, de movimentos demográficos de teor universalista e ecuménico, a qual durou até ao 25 de Abril de 1974, tendo-se aí encerrado o círculo, processando-se então o grande regresso ao Portugal Ibérico, à chamada Metrópole (Mãe Pátria) continental. A outra saída é a vertical ou urânica, se assim me posso expressar, e aí está tudo em aberto para se dar um verdadeiro início. Como assim? Aproveitando toda a energia acumulada (recursos energéticos) que constitui a mais valia de um povo digno desse nome. Energia acumulada nos estádios de futebol, nos protestos e manifestações, nas tensões e impulsos abandonados à rédea solta e sem qualquer espécie de direção, isto é, direcionados para o nada, nas energias que movem as praxes, nas energias que comandam os aceleradores nas estradas (frustrações e recalcamentos), neste caso direcionadas para o desastre certo, enfim, tantas e tantas energias desperdiçadas, as quais neste século de tantas e tão maravilhosas tecnologias já deveriam estar a contribuir para um novo mundo, holístico e voltado para o Cosmos, o início do tal Quinto Império (de Quinta Essência) que tanto encorajou homens e mulheres como António Vieira, António Telmo, e mais recentemente Agostinho da Silva e Dalila Pereira da Costa. É com um pequeno excerto de uma obra desta última autora que termino esta crónica : 
…«E em si contendo e detendo, internamente, toda a força fecundante da vida – da verdade. Porque sempre será na tradição, que uma nação poderá encontrar toda a força de futuro, toda a sua sobrevivência e progresso, porque como entidade independente e singular – na sua identidade Assim, voltemo-nos de novo para esses dois símbolos, a caravela e o graal, e tentemos vislumbrar uma das possíveis interpretações, ou sentidos – sempre ilimitados – que eles em si conterão.» Dalila L. Pereira da Costa in “A Nau e o Graal” 
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Em tempo de rescaldo – A Selecção, símbolos nacionais, e patrioteirismo 
Sou um apoiante incondicional da Selecção: no entanto, esperem lá, eu não disse Qual selecção…. Estou obviamente a referir-me a uma selecção de vinhos tintos que descobri anteontem nos supermercados “Selecção”; sim, porque aquela outra selecção, isto é, a Selecção Natural e a origem das espécies do nosso amigo Darwin, essa, se bem que indubitavelmente importantíssima nos seus pressupostos e contributos para o avanço da pesquisa científica na área da biologia, não o será tanto em algumas conclusões extemporaneamente retiradas enfim, por alguns “wise guys” mais precipitados e, a seu tempo, “oportunos”, tal como na bola, aliás…
Porém, de tanto ouvir gritar, abanar, estrebuchar, agitar bandeiras, acreditem, ando com isto metido na cabeça, reportando-me agora àquele grupo que foi jogar à bola para o Brasil, (que raio de ideia) grupo português muito castiço e heterogéneo em suas poses e penteados, o qual também dá pelo nome de Selecção – corrijam-me se estiver equivocado, mas remonta à Era Terciária, (?) parecendo não apresentar grandes diferenças em relação à nossa temporalidade do presente português, isto é, ao Neandertal, ou poderemos já incluir-nos no Paleolítico Superior? Não obstante tais imprecisões, bem me queria parecer que andavam a tentar matar os boches à cabeçada, o que desde logo é desastrado e até pouco conveniente em tempos de economia recolectora…
O “comandante”, fez o que podia mas coitado, nestas coisas, tal como D. Afonso Henriques, que também sofreu um acidente em Badajoz que lhe tramou o joelho, não conquistou Portugal sózinho nem de um dia para o outro, apesar de ser admirado por toda a gente (menos pela mãe, claro!), as coisas para terem credibilidade funcionam através de equipes e não pela “inspiração” de pessoas isoladas – um Geraldes “sem pavor” ou qualquer outro – acontecendo o mesmo em relação aos jogadores de futebol ou aos seus países de origem em sua própria organização. Assim sendo, de pouco vale termos um “melhor jogador do mundo”, um “melhor treinador do mundo”, um “maior centro comercial do mundo” ou outra mixórdia kitch qualquer, se não funcionarmos como uma equipe de pessoas organizadas e preparadas. Se não houver um projecto qualquer – ou será demasiado forte para ouvidos marralhões falar de um projecto idealista? – não iremos a lado nenhum. De resto é assim que tem vindo a acontecer em política (porque de facto isto está tudo ligado como se sabe e as selecções de futebol são o retrato do respectivo país de origem) e o desastre, que é muitíssimo remoto, teve início em Alcácer-Quibir, passou pelo Salazar que não desenvolveu (nem deixou desenvolver) o país e acabou na bagunçada versus trapalhada do 25 de Abril de 1974 e nos mangas de alpaca que se lhe seguiram, faltando não só modernizar-se, mas particularmente democratizar-se. 
Mas, regressando à questão importantíssima da “Selecção Selecção”, pois ainda bem que existe uma Selecção em Portugal, e ainda bem que há jogadores portugueses de grande prestígio e categoria sim senhor, tudo isso está muito bem, mas já agora e a propósito, sendo nós desde sempre uma espécie de “futebolândia”, a qual até detém há largos anos uma enorme tradição futebolística no resto do mundo, (algum desse mundo até descobriu o futebol há meia dúzia de anos) quantas vezes já vencemos o Mundial? Pensem nisso e depois interroguem-se, porque o interrogar faz falta, é um pilar fundamental das democracias…
No que diz respeito às bandeirinhas e aos chamados símbolos nacionais, dizia um ilustre catedrático de Coimbra – Costa Andrade – num jornal “Público” de 29/06/2014, e a respeito desta temática, que (…) “o país não é uma caserna a fazer continência aos símbolos nacionais”… Perfeitamente de acordo, não é uma caserna. Porém, se não ensinarem às criancinhas o que representa a bandeira nacional (com ou sem continência), Portugal não é de facto uma caserna, é uma baderna. Evidentemente que se perguntarem a opinião a dez milhões de portugueses, cada um terá a sua, e ainda bem que assim é (são “unidades de cultura” – Sorokin). Agora ainda em relação ao símbolo nacional que é a bandeira, não me parece que esteja iconograficamente representada, nem implicita nem explícitamente qualquer espécie de prisão ou qualquer tipo de cela, pois evidentemente que “bandeira e liberdade têm de caber no mesmo mastro” e decerto que de entre tudo que lá consta, poderemos também sem dúvida incluír a liberdade, (palavra de larga polissemia) e das maiores entre as maiores, basta a chamada Esfera Armilar, que é o próprio retrato da esfera celeste, a qual pode ser vista tanto de pernas para o ar como a direito, mas provavelmente também lá terá de caber a palavra responsabilidade, o dever e bom senso, nomeadamente a cultura, que é coisa que por aqui não abunda. 
Pessoalmente, devo dizer que nunca atribuí especial intocabilidade à bandeira nacional ou ao hino, gozava até bastante com todo esse tipo de coisas, não me surpreendendo que um dia, um qualquer cantor pop, o Tim, o Rui Veloso, o Reininho ou o Canibal, se embrulhassem na bandeira como sucede com alguns congéneres seus no estrangeiro. Não sei se alguma vez o fizeram…. E quem não se recorda de Hendrix, em Woodstock e a sua magistral versão do hino americano em guitarra blues? Queimar, espezinhar ou conspurcar publicamente a bandeira, isso sim, já teríamos aí algo bastante diferente, mas gostar da bandeira, porque não e sobretudo fora dos tempos de mundiais? Seria um fenómeno interessante e descomplexado, o qual demonstraria um certo patriotismo, e não apenas o patrioteirismo pateta das efusões futebolísticas. Um dia, Alçada Baptista pensou em alterar a letra ao hino nacional, mas aí, julgo que o ilustre escritor e ensaísta que por sinal até admirava, já não se encontraria nas suas melhores e plenas capacidades, ou então sofria de uma enorme falta de imaginação poética pois que “marchar contra os canhões” pode ser visto em inúmeros contextos, nomeadamente o pacifista, marcharmos sim contra os canhões mentais que são os nossos próprios demónios interiores que nos atormentam.
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Da Filosofia 
Eu interpreto o mundo racionalmente (às vezes ) – porém o mundo interpreta-me e interpela-me burocraticamente. Em bom rigor, a maior parte das vezes observo o mundo como um milagre. Se eu afirmar que o mundo actual me observa como um potencial cliente, encontro-me distante da verdade e isto porque o mundo actual não é dotado da capacidade de observação. Assim, a asserção correcta e verdadeira será então que o mundo actual me «digita» como um potencial cliente e isto tanto na vida como na morte: poderei assim ser um obstáculo ou um idiota útil aos seus desígnios. 
Contudo, na sua exímia, segura e descansada ignorância, desconhece não apenas quem eu sou, mas também e acima de tudo quem eu não sou. Porque se abandonarmos por um momento esta nossa familiaridade, ou seja, tanto os nossos aspectos físicos exteriores, assim como os nossos aspectos menos físicos interiores, e se resolvermos por um momento que seja, colocarmos a máscara no chão a nosso lado, o que sobra disso? Não sei se alguma vez repararam, mas na verdade é aquilo que não somos o que mais importa, o que está aliás mais intimamente ligado ao núcleo das estrelas mais distantes, fervilhando nos seus módicos doze milhões de graus centígrados. 
O que no entretanto nos vai observando (e não digitando) é a nossa “não mente”, essa mesmo que aparece como um raio, inopinadamente, vinda do mesmo quadrante radiante daquilo que faz mover as folhas das árvores, pela manhã, suavemente, como uma respiração. Já o enfrentaste? Para onde irá a luz da vela quando se apaga? Esta nem o Buda soube responder, embora, suponho, tenha desconfiado…
Tenham paciência! 
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Em tempo de rescaldo 
A Selecção, símbolos nacionais, e patrioteirismo 
Sou um apoiante incondicional da Selecção: no entanto, esperem lá, eu não disse Qual selecção…. Estou obviamente a referir-me a uma selecção de vinhos tintos que descobri anteontem nos supermercados “Selecção”; sim, porque aquela outra selecção, isto é, a Selecção Natural e a origem das espécies do nosso amigo Darwin, essa, se bem que indubitavelmente importantíssima nos seus pressupostos e contributos para o avanço da pesquisa científica na área da biologia, não o será tanto em algumas conclusões extemporaneamente retiradas enfim, por alguns “wise guys” mais precipitados e, a seu tempo, “oportunos”, tal como na bola, aliás… 
Porém, de tanto ouvir gritar, abanar, estrebuchar, agitar bandeiras, acreditem, ando com isto metido na cabeça, reportando-me agora àquele grupo que foi jogar à bola para o Brasil, (que raio de ideia) grupo português muito castiço e heterogéneo em suas poses e penteados, o qual também dá pelo nome de Selecção – corrijam-me se estiver equivocado, mas remonta à Era Terciária (?) parecendo não apresentar grandes diferenças em relação à nossa temporalidade do presente português, isto é, ao Neandertal, ou poderemos já incluir-nos no Paleolítico Superior? Não obstante tais imprecisões, bem me queria parecer que andavam a tentar matar os boches à cabeçada, o que desde logo é desastrado e até pouco conveniente em tempos de economia recolectora…
O “comandante”, fez o que podia mas coitado, nestas coisas, tal como D. Afonso Henriques, que também sofreu um acidente em Badajoz que lhe tramou o joelho, não conquistou Portugal sozinho nem de um dia para o outro, apesar de ser admirado por toda a gente (menos pela mãe, claro!), as coisas para terem credibilidade funcionam através de equipas e não pela “inspiração” de pessoas isoladas – um Geraldes “sem pavor” ou qualquer outro – acontecendo o mesmo em relação aos jogadores de futebol ou aos seus países de origem em sua própria organização. Assim sendo, de pouco vale termos um “melhor jogador do mundo”, um “melhor treinador do mundo”, um “maior centro comercial do mundo” ou outra mixórdia kitch qualquer, se não funcionarmos como uma equipe de pessoas organizadas e preparadas. Se não houver um projecto qualquer – ou será demasiado forte para ouvidos marralhões falar de um projecto idealista? – não iremos a lado nenhum. De resto é assim que tem vindo a acontecer em política (porque de facto isto está tudo ligado como se sabe e as selecções de futebol são o retrato do respectivo país de origem) e o desastre, que é muitíssimo remoto, teve início em Alcácer-Quibir, passou pelo Salazar que não desenvolveu (nem deixou desenvolver) o país e acabou na bagunçada versus trapalhada do 25 de Abril de 1974 e nos mangas de alpaca que se lhe seguiram, faltando não só modernizar-se, mas particularmente democratizar-se. 
Mas, regressando à questão importantíssima da “Selecção Selecção”, pois ainda bem que existe uma Selecção em Portugal, e ainda bem que há jogadores portugueses de grande prestígio e categoria sim senhor, tudo isso está muito bem, mas já agora e a propósito, sendo nós desde sempre uma espécie de “futebolândia”, a qual até detém há largos anos uma enorme tradição futebolística no resto do mundo, (algum desse mundo até descobriu o futebol há meia dúzia de anos) quantas vezes já vencemos o Mundial? Pensem nisso e depois interroguem-se, porque o interrogar faz falta, é um pilar fundamental das democracias…
No que diz respeito às bandeirinhas e aos chamados símbolos nacionais, dizia um ilustre catedrático de Coimbra – Costa Andrade – num jornal “Público” de 29/06/2014, e a respeito desta temática, que (…) “o país não é uma caserna a fazer continência aos símbolos nacionais”… Perfeitamente de acordo, não é uma caserna. Porém, se não ensinarem às criancinhas o que representa a bandeira nacional (com ou sem continência), Portugal não é de facto uma caserna, é uma baderna. Evidentemente que se perguntarem a opinião a dez milhões de portugueses, cada um terá a sua, e ainda bem que assim é (são “unidades de cultura” – Sorokin). Agora ainda em relação ao símbolo nacional que é a bandeira, não me parece que esteja iconograficamente representada, nem implícita nem explicitamente qualquer espécie de prisão ou qualquer tipo de cela, pois evidentemente que “bandeira e liberdade têm de caber no mesmo mastro” e decerto que de entre tudo que lá consta, poderemos também sem dúvida incluir a liberdade (palavra de larga polissemia) e das maiores entre as maiores, basta a chamada Esfera Armilar, que é o próprio retrato da esfera celeste, a qual pode ser vista tanto de pernas para o ar como a direito, mas provavelmente também lá terá de caber a palavra responsabilidade, o dever e bom senso, nomeadamente a cultura, que é coisa que por aqui não abunda. 
Pessoalmente, devo dizer que nunca atribuí especial intocabilidade à bandeira nacional ou ao hino, gozava até bastante com todo esse tipo de coisas, não me surpreendendo que um dia um qualquer cantor pop, o Tim, o Rui Veloso, o Reininho ou o Canibal, se embrulhassem na bandeira como sucede com alguns congéneres seus no estrangeiro. Não sei se alguma vez o fizeram…. E quem não se recorda de Hendrix, em Woodstock, e a sua magistral versão do hino americano em guitarra blues? Queimar, espezinhar ou conspurcar publicamente a bandeira, isso sim, já teríamos aí algo bastante diferente, mas gostar da bandeira, porque não e sobretudo fora dos tempos de mundiais? Seria um fenómeno interessante e descomplexado, o qual demonstraria um certo patriotismo, e não apenas o patrioteirismo pateta das efusões futebolísticas. Um dia, Alçada Baptista pensou em alterar a letra ao hino nacional, mas aí, julgo que o ilustre escritor e ensaísta que por sinal até admirava, já não se encontraria nas suas melhores e plenas capacidades, ou então sofria de uma enorme falta de imaginação poética pois que “marchar contra os canhões” pode ser visto em inúmeros contextos, nomeadamente o pacifista, marcharmos sim contra os canhões mentais que são os nossos próprios demónios interiores que nos atormentam. 
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= “Happiness is a warm gun: yes it is” – Beatles (Album Branco)
A natureza do mundo ou o significado da vida? Que importância poderá isso ter? O que importa é acordarmos vivos, e se surgir alguma dor de dentes irmos ao dentista, sabermos qual o prato do dia no Sr . Domingos, tomarmos as pastilhas e olharmos para o écran, tendo sempre em atenção o que diz o Marcelo Rebelo de Sousa, comprarmos o Expresso ao Sábado, irmos pedindo o extracto de conta no multibanco mais próximo, ao mesmo tempo que damos uma espreitadela a quem vem da esquerda ou da direita (óp dois….!). Convém igualmente termos um telefone à mão, de preferência último modelo, daqueles que tiram “selfs” e tudo… O resto, caros amigos, é irmos vivendo, assistindo a muitos mundiais, (é bom sinal) mesmo que a imundície nos chegue aos joelhos, ou que um míssil saído disparado das Berlengas, nos faça em pedacinhos quando vamos tomar a bica, que nos retenham num qualquer aeródromo por falta de pessoal, ou que nos roubem o fio de ouro que já era dos nossos pais à saída da porta da rua. E então? Pois!? O que havemos de fazer? “Eles” é que sabem, “eles” é que estudaram, têm os livros!... Temos de ir votar em alguém, de contrário, quem nos protegeria? Está na Constituição não é?... Que diacho, os bancos não podem fazer tudo, embora sejam os nossos melhores amigos (I B F - recordam-se?) – International banks facilities – pois pois….
Não vedes os bons alunos? Não vedes «os mais bem preparados de todos os tempos », (??!) e a forma desenvolta como vão tomando conta da situação? Oh se vão…. Locupletai-vos pois que estou com pressa, deixem passar que Eu vou aqui. Oh almas sumamente atormentadas, pobres filósofos com a mania que pensam, sobreviventes do grande cataclismo económico-depressivo, deslocados nesta espécie de teclado global, nunca mais morrem? – dirão alguns….
Bom, do meu ponto de vista não é assim tão drástico, acreditem, embora a lepra psíquica vá alastrando pelo mundo a olhos vistos, não sou adepto da coprofagia político-económica difundida pelas televisões que não frequento, e tendo em conta ainda a relutância que sinto em relação a qualquer espécie de necromancia, vampirismo intelectual, e ainda também porque não faço parte dos cadáveres adiados que por aí vão deambulando, nos ministérios, nas ruas e nas estradas, deste Portugal geograficamente magnífico, mas socialmente (e culturalmente) abjecto, a cultura da e para a morte que por aqui e no resto da “Europa” se pratica, não só me é estranha, mas igualmente um indício de uma humanidade de “vencidos da vida” que parecem vaguear como coelhinhos assustados, sempre que alguma claridade estranha por aí desponta. E então? …
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De Passagem – Algumas imagens avulsas “-Pronto, é apenas isto, a vida!” Um dia entrámos, eu e o meu mestre, num grande café- restaurante de estrada dotado de um salão de festas, o qual em tempos idos obteve algum sucesso e nomeada. Íamos apenas com a intenção de tomar um modesto digestivo, daqueles tipo “Macieira” ou “1920” - dos tempos em que os respectivos alcoóis ainda se podiam tragar - antes de prosseguirmos o nosso peripatético caminho filosófico de intrincadas questões, isto sempre a pé, note-se….. Decorria então um daqueles bailes vespertinos, onde os velhotes que apreciam dança se vestem a rigor para bailarem ao som de músicas do Julio Iglésias e daquelas melodias desde sempre adequadas a um certo romantismo de engate meio divertido. Ambos sorrimos e o meu mestre, após ter por alguns momentos observado a sala, voltando-se para mim e levantando o copo disse, naquela sua peculiar e habitual entoação, sempre que em fim de meditação concluía algo: “-Pronto, é apenas isto, a vida!” 
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Guiné 1970 
Durante uma manhã clara e até bastante fresquinha, para os padrões habituais da Guiné. S. Domingos - (no Norte perto da fronteira com o Senegal) – Oito da manhã – Fundo sonoro presente - o ribombar compassado de um morteiro 81 à distância, seguindo-se de passagem, o sibilar igualmente distante dos Fiats G91, acompanhado de um outro som cavo e do estremecimento do solo após o lançamento de uma catrefa de bombas. Decorria mais uma operação em grande. Sentado num dos degraus da porta das nossas instalações, neste caso do aquartelamento do exército dotado de aeródromo, dizia eu em voz off para um colega, enquanto fumávamos um cigarro (nessa época fumava): um dia que isto termine, iremos ter finalmente um país digno, e de jeito. Já reparaste bem na massa que se está aqui a gastar? Tal e qual! Hoje, com 66 anos, gostaria de viver num país desenvolvido e não numa montra em permanente execução. ……………….. 
Café Central Estávamos vários, já não me recordo bem a que propósito – se é que havia algum propósito - à porta do “Central”. Entre músicos febris, atletas, talibãs disfarçados, junkies fumegantes e poetas fragmentados, ou enfim, alguns filósofos amargurados também, comentava-se então as últimas desgraças do Benfica em alta voz, eis senão quando ela passa ondulante, mastigava pastilha elástica ao mesmo tempo que fumava um charrinho, bocejando para um telemóvel último modelo, fora o que já tinha bebido. Houve um murmúrio cavado, um sussurrar de frases tecidas ao sabor do que aflorava à cabeça, após muitas imperiais, mas, quando finalmente se poderia ouvir algo de concludente ou eloquente no meio daquela amálgama, eis que assoma à boca da praça um autotanque dos bombeiros de Cacilhas, provocando um enorme alarido, um som de tal modo estridente, que até os cães habituées de movimentações gregárias e matinais, das compras e dos jornais, fugiram espavoridos para o largo passeio em frente, habitualmente deserto. Bate-me o coração descompassado. Um dia hei-de fugir para o campo – pensei – aqui morre-se cedo e p’la igreja, a espinha verga-se em franjas nevróticas sob o ruído das motorizadas, ao menos no campo há um espaço infindo, olhem o Alentejo, podemos lançar papagaios ou outras coisas para o ar… Estava eu a compartilhar estes meus pensamentos com o resto do pessoal, e agora? O que poderia acontecer mais agora? Não irão acreditar, mas verdade verdadinha ; então não é que começam a chover peças de avião sobre o largo, ali mesmo por cima de nós,das nossas cabeças e das esplanadas!? Acreditam? …
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Regresso ao “Central” 
Respirei esta manhã uma partícula insana de fogueira antiga, sabe-se lá de quem ou de quê. Pronto, foi o suficiente para me ter corrido mal o dia, já de si chuvoso e cinzento, carregado de fezes liquefeitas, expelidas do alto da estratosfera por naves inabitáveis em fim de prazo, vindas até nós através de nuvens ácidas. Pus-me a cogitar na impermanência e interdependência de tudo isto e, como sempre, distraído, enfiei o pé numa poça de água suja mesmo à porta do “Central”- ( as the book says, we can cut with the past but the past cannot cut with us…). De facto, indubitavelmente tudo isto parece estar ligado por uma cadeia ininterrupta de momentos / acontecimentos que andam por aí no ar, embalados por ondas e partículas, que vão do presente para o futuro ou para o passado, e vice-versa, teorias quânticas, segundo se pensa… 
Encontro pelo caminho, e pelos intervalos dos sítios, pessoas que correm espavoridas atrás de autocarros e de comboios, não sei donde vêm nem para onde vão, mas será que estão no caminho certo? Muito provavelmente assim parece, pois os aparelhos são imensos, e porque observo multidões constantemente a contactar, terão decerto um sentido de orientação seguro. Todavia permito-me inúmeras vezes pôr em causa algumas certezas. O problema já é antigo e os filósofos que o levantaram já têm barbas, ou até já se transformaram em partículas que nós respiramos muitas vezes ao saírmos de casa… 
Despedi-me então daquela malta do “Central”, uma vez mais, e meti-me desta feita no carro que estava por ali perto. Ao conduzir, devo ter vislumbrado pelo canto do olho, umas pernas a saírem de uma montra, e as pernas eram excelentes, com ou sem meias pretas, mas enfim, foi o suficiente para ter batido no jipe da frente. Como nesse dia até o almoço me tinha caído mal, deixei uma posta de pescada “à francesa” no prato, que me revolveu o estômago só de olhar para ela. Ao fim do dia dirigo-me aos correios para entrgar uma carta, e evito a todo o custo pensar em comida, durante o tempo todo em que aguardava a minha vez. Então não é que deparo com um cartaz com o seguinte título: Posta Restante – fugi em pânico da fila, para evitar vomitar para cima dos ombros da pessoa da frente, chego à rua e pronto, já se adivinha o que se passou de seguida, escuso-me a pormenores. Encosto-me a uma parede mal disposto, e o que acontece? Isso mesmo, um pombo borra-me em cima… 
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Um dia em cheio 
Quando naquela manhã de sol, entrei na “Brasileira” meio enfastiado a recitar um mantra, a velocidade do pensamento que por lá circulava era tão grande e difusa, que o chapéu do Pessoa sentado à porta e na mesa do costume, mas ainda desprovido de telemóvel, ia levantando voo, não fossem a sua matérica condição e seu venerável peso assim o tivessem impedido. – “ah… pudesse eu enxotar as moscas da praça pública…” – assim pensava ele, enfastiado com tanta fotografia.
Conversas desencontradas, bem, isso encontro-as por todo o lado por onde circule, até nos meandros da minha caixa craniana, com os seus 100 biliões de neurónios (mais um), que ressoa perante os uivos das ambivalências (ou será das ambulâncias?) e o troar dos flaps – se porventura conhecer hoje dois ou três conversadores a sério, será muito – lamúrias de desportistas desiludidos, ou os miasmas telemáticos debitados pelos partidos políticos, esses facínoras legais e possidónios, arautos do tal nível de vida que há-de sempre vir a ser, pois então… serão eles assim, os maiores crentes na vida do além… Preferível é viajar à velocidade da luz, o que se torna difícil quando se usam muletas, ou até por incompatibilidade com esta nossa dependência da «massa crítica» . Como a vida é bela à porta da “Brasileira”.
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Desaparecimentos – Quando resolvi fugir às aulas 
Frequentava então por aí, a segunda ou terceira classe da chamada “Escola do Gomes”, tendo por mestre o saudoso e competentíssimo prof. Leitão, um amigo de toda a gente. Recordo-me bem, da nossa condição, enfiados naquelas impecáveis batas brancas, em contraste com a batina cinzenta sobre o pulôver e a gravata discreta do professor e até do odor característico da tinta nos tinteiros de loiça branca encaixados num buraco na carteira, conjuntamente com a madeira dos bancos, do restante mobiliário, assim como do próprio papel, dos enormes mapas dependurados a um canto da sala, alguns exibindo até a anatomia de certos orgãos humanos, sob o olhar atento e austero um pouco mais acima na parede, de V.ª Exc.ª o Exc.º Sr. Presidente do Concelho, Prof. Dr. Oliveira Salazar, e, é claro, de V.ª Exc.ª o Exc.º Sr. Presidente da República, General Craveiro Lopes e, já mais tarde, o Ex. º Sr. Almirante Américo Thomas, quais guardiões do templo. Obviamente, o Crucifixo. 
O edifício desta escola, magnífica – (apenas para rapazes) - e dotada com um enorme recreio nas suas traseiras, era composto por duas salas de aula separadas, uma para os alunos que se encontravam já na Quarta, o que para nós, os da Terceira ou Segunda era um sinal inequívoco de idoneidade, motivo até de temor, e a outra nossa sala. Os meus parceiros de carteira foram o Zé Martins e o Medeiros. Por minha parte detestava os “problemas”, que de modo geral eram retirados à sorte de um pequeno maço do tamanho das cartas de jogar, presos com um elástico, que o professor ia buscar ao interior de um armário que continha entre outras coisas, papel, sebentas, cadernos, giz de diversas cores e outro material escolar. Um dia, embirrei com as chamadas “reduções” – trata-se de uma operação matemática e não daquilo que essa palavra possa hoje significar (onde todo o reducionismo reduziu tudo a ZERO). O professor chamava então ao quadro o aluno (um por um), de forma a poder avaliar como é que ele estaria a assimilar e a resolver a coisa. Ora, dado que tendo eu uma certa dificuldade em entender aquilo, e ao ver aproximar-se o dia da minha vez de enfrentar o quadro negro, na véspera, quando já me encontrava entre lençóis, perpetrei um plano diabólico e resolvi pô-lo em prática no dia seguinte: Sairia, como sempre todos dias pela manhã, pasta na mão, apenas com uma ligeira diferença. Não chegaria senão até a uns bons cem metros da escola, o que permitiria observar à vontade e a uma confortável distância, todos os colegas a entrarem a porta até ao último. Depois, bastaria fazer inversão de marcha regressando a casa, onde, perante o olhar inquiridor da minha mãe, dir-lhe-ia que não houve aulas porque o professor estava doente, situação pouco comum, mas que já tinha sucedido uma ou outra vez. 
Bem dito, bem feito. Lá saí porta fora com o café com leite e a bucha já no papo, e quando cheguei à porta da mercearia do Sr. Ferreira (vulgo “mercearia do Zé Pinto” ), valoroso ponto estratégico donde, a partir daí, agachado e bem entricheirado por detrás dos inúmeros sacos de milho, feijão, grão, etc., que ali sempre se encontravam, pus-me a observar então o movimento das tropas de bata branca (ainda bem que não era daqueles cujo avô os acompanhava no trajecto casa-escola e vice versa). 
Óptimo, quando a última bata branca desapareceu de vista na ombreira da porta, dei meia volta e regressei a casa onde não apenas permaneci durante esse dia, mas igualmente nos dias seguintes, pois estava-se bem, até me esquecer de todo das reduções. A minha mãe, porém, estando em casa, obviamente que saía para ir ao mercado, às compras e às conversetas de rua travadas com outras “donas de casa” que áquela época ainda existiam bastantes: de resto, a minha mãe acabou por integrar o chamado mercado de trabalho já mais tarde, trabalhando aliás até aos seus últimos dias, vindo a falecer muito antes da idade da reforma. Mas prosseguindo, ela, a minha mãe, visto que saía, era natural que pelas suas deambulações através das lojecas mais próximas, se cruzasse e se detivesse a falar com alguma outra mãe de colega meu. Eis senão que, inevitavelmente, a grande bronca acontece! alguém lhe diz que não senhora, que tem havido aulas, pois o seu filho, o fulano tal, todos estes dias as tem frequentado sem interrupções... Já se está mesmo a ver não é? Agora, desmascarado e sem resposta pronta, lá tive de confessar pois o crime, engolir o sapo a muito custo. Foi uma vergonha, uf… 
Escuso-me assim a descrever o que senti, quando pela mão da minha mãe, fui obrigado a ir pedir mil deculpas ao professor Leitão, perante o olhar curioso escarninho e trocista dos outros e do olhar ameaçador e reprovador daquelas eminentes figuras da parede e do crucifixo. No entanto, não houve trauma, nem precisei de qualquer apoio psicológico, passou e pronto. Ás vezes, num determinado dia de semana, ao entrarmos na sala de aula, deparávamos com uma espécie de versos escritos e esparramados no quadro, tipo:
"-...Ai verde gaio verde gaio dá cá... ai verde gaio toma lá dá cá… as penas do verde gaio…" 
Ou então, em dias mais festivos, efemérides, etc., coisas tais como:
"-...Portugueses, celebremos O Hino da Restauração... Onde valentes guerreiros…" 
Já sabíamos então que nesse dia iria haver fórróbódó de cantigas, uma espécie de canto coral. Talvez que hoje o tema seja um pouco diferente, mais tipo “Num sabe nadar, hei! num sabe nadar…”, o que não deixa de ter o seu valor, não contesto… 
O professor Leitão tinha, evidentemente também, o seu mau feitio, quem é que o não tem? Quando queria castigar, dirigia-se até junto do aluno, estendia a mão, colocava a língua entre os lábios um pouco à vista, e com a régua na outra mão, exclamava enquanto ia dobrando os dedos em jeito de solicitação: "-Vamos cá, vamos cá!". 
É claro que nós sabíamos bem que teríamos de estender a mão e receber as réguadas da ordem até a palma da mão ficar quase ao rubro. Não que ficássemos muito gratos na altura, como fariam os 'monjes zen' quando levavam com as vergastadas nos ombros, mas penso que agradecemos muitos anos mais tarde, quando já adultos nos cruzávamos com o professor Leitão na rua, que orgulhosamente nos cumprimentava, e do qual nós tínhamos o maior apreço e reconhecimento. Porque sem disciplina não se vai a lado nenhum. 
E enfim, tornámo-nos homens…